Por José Luiz Côrrea, advogado |||||
Por Eles chegam à noite, discretos, mas deixam rastros claros: lavouras destruídas, pastagens reviradas, criações atacadas e nascentes comprometidas. A cidade de Sete Lagoas integra a lista de municípios com ocorrência confirmada de javalis, segundo o Plano Nacional de Prevenção, Controle e Monitoramento do Javali, publicado pelo IBAMA e pelo Ministério da Agricultura em 2017. De acordo com o documento, o município faz parte de um verdadeiro “cinturão crítico”, que exige atenção redobrada e ações coordenadas de manejo.
A invasão do javali-europeu (Sus scrofa), muitas vezes cruzado com o porco doméstico, já não é um problema isolado ou distante. Tornou-se, hoje, uma realidade urgente em muitas propriedades rurais mineiras, especialmente na região Central do estado — como em Sete Lagoas — e também no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba.
Essa espécie exótica, considerada uma das cem mais perigosas do mundo pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), vem se multiplicando de forma alarmante em território nacional. No campo, os sinais são evidentes. Os javalis utilizam seu focinho potente para cavar a terra em busca de alimento, o que provoca erosão, degradação do solo e inutilização de áreas inteiras. Lavouras de milho, cana e feijão são especialmente afetadas. E não para por aí: invadem galinheiros, devoram ovos, atacam pequenos animais e até mesmo chegam às margens de córregos, comprometendo a regeneração de nascentes.
Mais preocupante ainda é a capacidade desses animais de transmitir doenças perigosas como a leptospirose, a febre aftosa e a peste suína clássica. Trata-se, portanto, de um inimigo que coloca em risco não apenas a produção agrícola, mas também a sanidade dos rebanhos e a saúde pública.
Sim, é possível controlar — mas com responsabilidade
O controle do javali é autorizado no Brasil desde 2013, com a publicação da Instrução Normativa nº 03 do IBAMA, atualizada em 2019. No entanto, é preciso deixar claro que não se trata de caça recreativa. O objetivo da legislação é conter o impacto ambiental, sanitário e econômico causado por uma espécie invasora.
Para isso, o produtor rural deve estar inscrito no Cadastro Técnico Federal (CTF), além de apresentar um plano técnico de manejo aprovado e registrar as atividades no Sistema de Monitoramento de Atividades de Controle da Fauna (SIMAF). É necessário ainda passar por capacitação específica, possuir porte legal de arma de fogo (quando for o caso) e utilizar métodos permitidos, como armadilhas, abate humanitário, drones e cães de rastreamento — sempre sob supervisão técnica e com respeito ao bem-estar animal.
Quem age fora dessas normas incorre em crime ambiental, conforme a Lei nº 9.605/98. E as penalidades são severas: podem incluir multas, sanções administrativas e até respostas penais.
Por exemplo:
Em 23 de agosto de 2023, o IBAMA suspendeu a emissão de novas autorizações para controle de javalis (caça ativa, ceva, espera etc.) até que o procedimento fosse atualizado conforme o novo decreto.
O objetivo não foi impedir o controle, mas ajustar a autorização ao novo regime armamentista ─ agora, o Exército passa a conceder essas autorizações, não mais diretamente pelo IBAMA. As operações autorizadas continuam possíveis, desde que dentro das novas regras.
O que estava autorizado desde 2013, conforme a Instrução Normativa do IBAMA, era apenas o manejo controlado e justificado de uma espécie invasora.
A suspensão atual recai sobre novas emissões de permissões, enquanto as emitidas anteriormente seguem válidas.
E qual o tamanho desse problema?
No ano de 2022, cerca de 465 mil javalis foram abatidos em todo o país, em operações autorizadas. Com a nova medida, a Sociedade Rural Brasileira e outras entidades manifestam preocupação com o risco ao status sanitário e à eficácia do controle populacional.
Se não houver controle efetivo, em breve estaremos num impasse sério quanto a sobrevivência do homem do campo frente a população dos javalis.
O papel dos cães: aliados com limites
No ambiente rural, é comum o uso de cães como auxiliares na segurança da propriedade. Eles podem sim ser úteis como alerta e até dissuasão em situações de invasão por javalis. No entanto, o confronto direto é extremamente perigoso. O javali, por sua força e agressividade, pode facilmente ferir ou matar um cão despreparado.
O uso de cães de perseguição, por sua vez, só é permitido no contexto de controle autorizado, com critérios técnicos e regras claras para evitar maus-tratos. Fora disso, a prática pode se voltar contra o próprio produtor, resultando em autuações por abuso ou uso irregular de fauna.
Agir com estratégia é proteger o futuro da produção rural
A proliferação dos javalis não é um problema passageiro. É uma questão estrutural, que exige respostas organizadas, responsabilidade legal e cooperação entre produtores e órgãos ambientais. Ignorar os protocolos ou agir por impulso pode sair caro — e não apenas no bolso, mas também no comprometimento da própria segurança da propriedade e da comunidade rural.
O produtor que se informa e atua dentro da legalidade colabora não apenas com sua própria fazenda, mas com o equilíbrio ecológico e produtivo de toda a região. Por isso, a principal recomendação é sempre consultar o IBAMA ou o órgão ambiental estadual antes de qualquer ação. O que hoje é permitido pode, amanhã, sofrer alterações. Legislação ambiental é dinâmica, e o desconhecimento da norma não isenta ninguém de suas consequências.
Muitas vezes, o produtor age com a melhor das intenções, buscando defender seu patrimônio. Mas, sem orientação adequada, pode acabar respondendo por crimes ambientais, mesmo quando acreditava estar apenas protegendo sua lavoura ou seus animais.
Em resumo
O javali não é apenas um visitante incômodo: é uma espécie invasora perigosa, resiliente e que demanda vigilância constante. O combate eficaz passa pela informação, preparo técnico e ação conjunta com os órgãos competentes. O alerta está dado. Agora é hora de agir com responsabilidade e inteligência.
José Luiz Corrêa da Silva é advogado especialista em holding rural. Telefone: 31 98837 0733, e-mail: jlcorreadasilvaholding@gmail.com
Fontes confiáveis
- IBAMA – Instrução Normativa 03/2013 (atualizada em 2019) e materiais do Plano Nacional de Prevenção, Controle e Monitoramento do Javali flickr.comoeco.org.brreddit.comcoperama.com.brresearchgate.net+10gov.br+10gov.br+10
- Sistema FAEMG/SENAR – Relatório de 2025 sobre mineração e zonas de prioridade em Minas sistemafaemg.org.br
- Wikipédia e Animal Business – Informações gerais sobre o javali no Brasil ecycle.com.br+12pt.wikipedia.org+12animalbusiness.com.br+12