Por José Luiz Corrêa da Silva, advogado
Marcelão, conhecido o patriarca da família Martins, comprou terras vizinhas com intuito de aumentar sua área de pastagem. Pagou a vista e em dinheiro o valor de R$ 10 milhões. Até aí tudo era festa. Já havia, inclusive, separado o gado para ocupar o terreno. Lá foi ele e o vendedor passar a escritura. Nessa hora Marcelão virou bicho. O município queria cobrar o imposto, o tal do ITBI, dando ao imóvel o valor de R$ 20 milhões, o dobro do que pagou. O imposto que deveria ser de R$ 200 mil, passou absurdamente para R$ 400 mil.
E agora o que fazer, questionou consigo? Foi para a prefeitura brigar. A pessoa que lhe atendeu veio com a conversa de que era disso que o município tirava o dinheiro para pagar funcionários, obras etc.
Quantos bois terei que vender para pagar esse imposto abusivo, isso já está virando prejuízo, pensava o tempo todo. O pior foi que votei nesse cara para prefeito! Tai! Gastei um minuto pra votar e agora tenho 4 anos para arrepender… Pensou Marcelão.
O jeito era entrar na justiça, contudo, temia os resultados posto que, por ser uma cidade do interior, o prefeito tinha muita influência política.
O que fazer? Eles podem fazer isso comigo?
Quem nunca ficou irritado quando comprava um imóvel e na hora do ITBI o município avaliava o valor muito superior ao da transação, só para cobrar imposto mais caro.
Esse preço de imposto, quando se tratavam de imóveis de grande valor, como eram os casos de terrenos rurais que ultrapassavam muitas vezes a cifra de alguns milhões, causavam muita revolta nos compradores, que eram quem pagava o imposto e se viam indefesos para se defender.
Pois é! Agora existe uma luz no fundo do túnel.
O valor usado para calcular o ITBI deve ser o preço real do imóvel em condições normais de mercado. O valor do IPTU não pode ser usado como referência mínima.
- O valor declarado pelo comprador e vendedor é presumido correto, a menos que a Prefeitura comprove o contrário em um processo formal.
- O município não pode criar um valor arbitrário de referência para cobrar o ITBI sem justificativa ou chance de contestação.
Essa decisão visa garantir mais justiça e transparência no cálculo do imposto.
Já paguei o imposto, será que tenho direito a devolução do que paguei a mais de ITBI?
PRIMEIRO vamos entender o que o STJ decidiu.
O STJ, ao julgar um caso envolvendo muitas ações parecidas sobre o cálculo do imposto cobrado na compra e venda de imóveis (ITBI), definiu algumas regras importantes que devem ser seguidas em todo o país, conforme narrado retro.
Proibição de base arbitrária: A Prefeitura não pode criar um valor de referência unilateralmente para calcular o ITBI sem justificar ou dar a chance de o contribuinte questionar esse valor.
Esse julgamento no STJ foi para pôr fim a essa briga e obrigar os municípios a cobrar o imposto sobre o valor da venda.
Segundo ele, embora seja possível delimitar um valor médio dos imóveis no mercado, a avaliação de cada bem negociado pode sofrer oscilações positivas ou negativas, a depender de circunstâncias específicas – as quais também afetam a alienação em hasta pública, pois são consideradas pelo arrematante.
“No que tange à base de cálculo, a expressão ‘valor venal’ contida no artigo 38 do CTN deve ser entendida como o valor considerado em condições normais de mercado para as transmissões imobiliárias“, afirmou o magistrado.
Nesse sentido o STJ estabeleceu 3 teses sobre o tema:
1) A base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação;
2) O valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (artigo 148 do Código Tributário Nacional – CTN);
3) O município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido de forma unilateral.
E agora, como fica a cobrança do ITBI após essa decisão do STJ? Tenho ou não tenho direito de cobrar o que paguei a mais?
No Brasil, quando se trata de cobrar tributos, o governo não deixa barato e faz de tudo para continuar a cobrar o indevido, o Município de São Paulo, que se viu derrotado no STJ e que gerou o recurso repetitivo, tratou de recorrer ao STF – RE 1412419.
No STF E esse processo foi distribuído para a Ministra Carmen Lúcia e a luta continuou favorável ao contribuinte.
Na primeira fase do processo, foi julgado improcedente em face da ausência de repercussão geral. Bônus para o contribuinte.
Na fase do Agravo Regimental a Ministra Carmem Lúcia, manteve o indeferimento. Outra vitória para o contribuinte.
Contudo, como o Município de São Paulo, por sua imponência econômica e tributária de destaque indiscutível no cenário nacional, fez valer esse poderio. Assim, Ministro Alexandre de Morais pediu vista. Agora estamos aguardando a manifestação deste e dos demais ministros sobre a questão do agravo regimental.
Por enquanto temos um voto favorável aos contribuintes, faltando, contudo, o posicionamento dos demais ministro da Primeira Turma.
Então o jeito é esperar até que o STF decida esse imbróglio?
Não é bem assim….. O direito não socorre aqueles que dormem….
Enquanto o STF não julgar o agravo regimental, os processos nas instâncias inferiores estão suspensos aguardando os votos dos ministros.
Bem, nem precisa falar o quanto todos nós estamos ansiosos para ver o resultado do julgamento, pois deve haver milhares de pessoas que pagaram um ITBI muito mais caro do que devia e se essa demanda no STF for favorável aos contribuintes, os municípios terão que devolver muito dinheiro para os compradores de imóveis dos últimos 5 anos.
Lembrando que aqueles que não entraram na justiça podem perder o direito pela prescrição, se ultrapassados 5 anos.
Todos sabem que o processo pode demorar para ser julgado e o município de São Paulo deve fazer o possível para que esse processo enrole por muitos anos.
E por qual motivo o município faz isso? Para prescrever o direito dos contribuintes.
Lembram do caso do Marcelão que narrei no início?
Marcelão comprou o imóvel em 30 de julho de 2021. Ele tem 5 anos, a contar da data do pagamento do imposto indevido, para entrar na justiça para ter direito à devolução do dinheiro, assim, tem até o dia 30/julho/2026.
Se esse julgamento se arrastar até agosto de 2026, Marcelão perderá o direito à devolução, por esse motivo o Município sempre recorre.
A saída para o contribuinte é ajuizar a ação para obrigar o município a devolver o valor cobrado indevidamente e assim resguardar o direito.
Mas isso é urgente?
Vai depender da data do pagamento do imposto. Se o comprador tiver condições de esperar, ou seja, se os cinco anos estão longe de acontecer, então ele pode aguardar.
Do contrário, se o prazo de 5 anos do pagamento do imposto já estiver próximo a vencer, sugiro ajuizar a ação urgente para garantir a devolução do imposto pago indevidamente.
Para aqueles que estão comprando seu imóvel agora e o município insiste em cobrar muito mais caro, a solução é ajuizar uma ação e depositar a diferença do imposto em juízo, pedindo uma liminar para registra o imóvel. Nesse caso se o STF julgar a ação em favor do contribuinte, o juiz do seu processo é obrigado a julgar a ação em seu favor e você terá direito a devolução do dinheiro que está depositado judicialmente.
(Fonte: acórdão no REsp 1.937.821, REsp 1937821 e o RE 1412419.)
Lembre-se: Só terá direito a devolução desse direito quem entrar na justiça.
Então cabe a você que sofreu essa injustiça decidir o que fazer. Não espere passivamente: saiba seus direitos e observe os prazos para evitar perder dinheiro, consulte um advogado.
José Luiz Corrêa da Silva – Advogado
Telefone para contato 31 98837 0733
e-mail: jlcorreadasilvaholding@gmail.com
Respostas de 5
Muito didático a síntese. É uma infelicidade depender do resultado do judiciário. São definições que demoram anos e envolvem muitos interesses políticos e financeiros.
Uma coisa é certa, independente de quem esteja no comando, o estado, em todos os níveis, é a coisa mais corrupta, desonesta, desleal e tudo de ruim que se possa imaginar. Banhado no mantra da legalidade, promove a extorsão, a injustiça e tudo que se possa associar ao mau caratismo. O negócio é arrebentar o contribuinte seja da forma que for.
Parabéns pelo artigo! Escrita acessível, esclarecedor e necessário. Quantos cidadãos não tem conhecimento disso e passam por esta dificuldade. Essas informações deveriam chegar ao público.
Lamentavelmente, vivemos num país onde os “podres poderes” — executivo, legislativo e judiciário — criam Leis, Normas, Portarias e o escambau para, literalmente, TUNGAR o contribuinte‼️
Parece que ninguém, dos empoleirados nestes poderes, tem família ou pensa no futuro à frente!! Simplesmente, arregaçam os dentes e levam o “bem bom” só pra si mesmos, às CUSTAS dos cidadãos — diga-se: um povo desinformado e DESARMADO para um confronto COVARDE, eivado de armadilhas contra si.
🇧🇷 QUANDO O VOTO MUDAR e o povo “partir pra cima”, como ficarão estes pequenos títeres diante de um “bom paredão”❓️
Excelente exposição. O pagador de impostos deve sempre buscar orientação jurídica para pagar somente o que é devido.